Como sou da
Figueira da Foz, não podia deixar de escrever primeiramente, um pouco sobre o Cabo
Mondego, que representa a nível mundial (sim, leram bem) uma das melhores passagens
dos andares do Jurássico médio e superior – o mesmo período geológico retratado em Parque Jurássico.
O Cabo Mondego
situa-se na parte oeste da Serra da Boa Viagem, a cerca de 6 km a
noroeste da cidade
da Figueira da Foz e é considerado, desde 2007, como Monumento Natural
(numa altura em que o agora presidiário era primeiro-ministro).
Figura 1: Localização do Cabo Mondego, em relação à Figueira da Foz e à serra da Boa Viagem.
A
área
correspondente ao epíteto de Monumento Natural, inclui zonas emersas e
submersas com uma extensão total de 117,68 ha (68 ha em área emersa e
49,68 ha em área submersa), de forma mais
ou menos paralela à linha de costa.
Figura 2: Localização e delimitação da área do Monumento Natural
A
Serra da Boa Viagem tem uma
estrutura monoclinal com desenvolvimento este-oeste, com uma inclinação
para
sul entre 25 e 30º. O Cabo Mondego faz parte da Bacia Lusitânica (ou
Lusitaniana), e Inclui uma série sedimentar de idades
meso-cenozóicas, nomeadamente caracterizada pela alternância de
calcários, calcários
margosos e margas de idade jurássica. Ocorrem outras rochas sedimentares
de idades mais recentes, que variam desde calcários, a arenitos e mesmo
às areias de praia, de forma geral. Durante o Jurássico os processos
associados à abertura do oceano Atlântico fizeram sentir a sua presença,
nomeadamente nos aspectos geológicos que se podem observar.
Esta zona de elevado interesse geológico
tem por base importantes domínios na paleontologia de amonites, na sedimentologia e na paleoicnologia
de dinossauros, na paeleoecologia de ambientes de transição, e, principalmente, na estratigrafia. Assim, pode-se dizer que
os registos paleontológicos de peixes, juntamente com os icnofósseis de dinossauros e
amonites (estes com maior importância), representam, em grande parte, o período
do Jurássico que se terá vivido em Portugal. Este período
encontra-se representado por uma série contínua de sedimentos marinhos e
flúvio-lacustres, maioritariamente carbonatados, desde o Aaleniano ao Titoniano (174-145 Ma, aproximadamente).
Figura 3: Período do Jurássico, que ocorre no Cabo Mondego.
A grande presença e qualidade de fósseis de amonites,
permitiu determinar a ocorrência de ambientes marinhos durante o Jurássico médio e
datar com precisão as idades dos materiais, neste momento, aflorantes. Este registo fóssil, assume importância tal, que em 1994,
o perfil da passagem dos andares Aaleniano-Bajociano (174-168 Ma), foi proposto como
estratotipo do Bajociano, sendo considerado, como o melhor afloramento a nível mundial,
para o estabelecimento do GSSP (Global Boundary Stratotype and Point - Camada sedimentar que pelas suas características é considerada a nível internacional
como a mais representativa de um determinado intervalo de tempo
geológico) do referido andar, constituindo um padrão a
nível internacional, de referência, delimitando uma parte específica do tempo
geológico, o que se verificou pela primeira vez em Portugal .
Figura 4: GSSP do Bajociano (tracejado: limite inferior
do estratotipo).
A continuidade
e qualidade dos registos geológicos (correspondendo a um intervalo
de cerca de 50 Ma) e a geografia da zona – que permite muito boas condições de
observação e estudo – dão ao Cabo Mondego um enorme valor científico, mas
também pedagógico e didáctico.
E claro, uma bonita paisagem para se visitar!
Fontes:
O
Monumento Natural do Cabo Mondego: proposta para uma estratégia de
geoconservação e de um plano de ordenamento (2010) - Rocha, J.
Os
locais de interesse geológico do Cabo Mondego. Proposta de recuperação
das pedreiras tendo em atenção os riscos geomorfológicos identificados
(2008) - Rocha, J.
http://www.icnf.pt/portal/ap/nac/mncab-mond
http://www.stratigraphy.org/ICSchart/ChronostratChart2013-01Portuguese_PT.pdf